
Homossexualidade, casamento, família, condição feminina, prostituição, sexo, são os temas que fazem parte desta obra bastante interessante sobre a fascinante Grécia Antiga. Vale a pena ler o livro. E o presente resumo também.
Segundo o autor, o período abordado no livro refere-se ao histórico, que se inicia no século VIII a.C, época em que os textos escritos chegaram até nós. Englobando as sociedades: dos tempos homéricos, arcaico, clássico e helenístico até a conquista da Grécia pelos romanos.
Tem como objetivo central desmistificar idéias pré-concebidas sobre o mundo grego e sua posição diante da sexualidade. Pontuando também as relações familiares desta civilização, através principalmente de sua arte.
Os gregos, nos diz o autor, enxergam o sexo e o amor sem culpas ou tabus, com plena aceitação da vida e da natureza. O corpo é o templo do espírito e da alma, visto como parte da totalidade da natureza. E, por conseguinte, a sexualidade era mais abrangente que hoje, baseada na religiosidade:
“..., uma vez que através do emprego de atos e símbolos mágico-sexuais, assegurava-se e promovia-se a fertilidade da terra e da mulher.” (p. 18).Daí a deificação do deus Eros que ele afirma ser uma divindade primordial, de ascendência desconhecida, tão antiga quanto o Caos ou a Terra.
No período Homérico, bem como após este, o casamento e a família serão o centro da sociedade para criação de filhos legítimos como herdeiros e manutenção do poder. Já a virgindade, enquanto detalhe anatômico, não era obrigatória às jovens, pois havia relações sexuais antes do casamento. Homero atribui a paternidade destas crianças aos deuses e a imagem da mulher não é denegrida por isso. No entanto, exige-se a fidelidade da mulher casada para assegurar a legitimidade dos filhos.
Entre os homens, no entanto, há uma poligamia declarada, mas esta infidelidade não era vista como ameaça à família ou paz social. Nos Poemas Homéricos não há alusões à homossexualidade, bem como à prostituição, segundo o autor Homero não oferece muitas informações sobre a vida sexual de seu tempo, deduz, entretanto que não havia uma moralidade muito austera.
Na Grécia Antiga a mulher não tinha direitos políticos ou jurídicos, não podia mover processos, possuir, comprar ou vender propriedades, como também não era registrada nos catálogos oficiais, ou seja, não era considerada cidadã. Só possuía o direito de se casar e gerar legítimos descendentes-herdeiros, e o direito de herança, que seria administrada sempre por um homem.
Em Atenas as moças não recebiam educação formal e só começam freqüentar a escola no período helenístico. Não podiam aparecer sozinhas em público, só em ocasiões especiais sempre acompanhadas por seu tutor ou uma escrava e em casa viviam confinadas no gineceu (espaço reservado da casa onde tinha seu quarto e outros comodos de convivência entre mulheres). Já as espartanas, o autor as diferencia apenas pelo fato de participarem de atividades físicas, que era imposto pelo princípio de eugenia da cidade - como cidade guerreira, Esparta, tinha que produzir soldados, homens fortes e saudáveis, logo estes deveriam nascer de mães com as mesmas características.
A posição da mulher casada não se altera muito, entretanto o autor ressalta que tais regras não se aplicavam a toda a sociedade, pois as mulheres pobres tinham que trabalhar fora de casa, contudo isto só ocorria como última solução.
Nos tempos homéricos não havia ainda uma forma legal de casamento, apenas leis não-escritas. Entretanto, havia duas exigências indispensáveis os hédna (presentes de casamento, que o futuro marido entregava ao pai da noiva em espécie, pois ainda não havia dinheiro) e que a mulher fosse encaminhada à casa do noivo. Em caso de separação por culpa da mulher os hédna ficavam com o marido, o contrário a posse passaria para a família da mulher.
No período clássico o casamento adquire uma forma legal, segundo o autor, provavelmente instituída por Sólon (séc. VI a.C.). Para tanto, deveriam ser cumpridas duas condições: a engýesis (garantia), espécie de contrato verbal entre o pai da noiva e o futuro marido, e a ékdosis, entrega da noiva à família do noivo. Cumprida tais formalidades eram assegurados todos os direitos civis e políticos aos filhos provenientes da união. Em 451 a.C., Péricles acresce ainda que para o casamento ser considerado oficial ele deve ocorrer exclusivamente entre cônjuges atenienses. O autor ressalta que o casamento na Grécia Antiga tinha como principais objetivos: gerar filhos do sexo masculino e união de interesses financeiros. Não existe, nem antes, depois ou durante votos de amor, fidelidade ou devoção entre marido e mulher e sim de prosperidade e fertilidade.
Apesar de não haver lei específica o incesto era condenado, mas permitia-se a união entre irmãos de mães diferentes. Era permitido também o casamento entre primos de primeiro grau, e de uma jovem com seu tio, neste último caso apenas quando era necessário salvar a propriedade da família. O casamento era assunto de Estado por se tratar da continuidade da cidade. Neste período a virgindade da mulher passa a ser obrigatória até o casamento, na engýesis havia o dote (proíka) que o pai da noiva dá ao noivo, este costume tinha dois objetivos: atrair pretendentes para a moça e desestimular o divórcio, pois o marido tinha que devolver este à família da mulher.
Nesta sociedade patriarcal o adultério era creditado apenas às mulheres que eram expulsas de casa, caso traíssem seus maridos, pois a honra do homem grego era coisa muito séria. Mesmo neste caso o dote tinha de ser devolvido, daí alguns homens perdoarem suas mulheres. O homem podia pedir o divórcio também por esterilidade da esposa. E a mulher poderia pedir o divórcio fazendo este por escrito ao Arconte, que em caso comprovado de abuso ou violência física podia ser concedido. Em Esparta onde a legislação e a moral eram diferentes simplesmente não havia previsão de adultério.
O concubinato era comum e tinha como principal objetivo a procriação. Era permitido e incentivado pelo Estado, caso a esposa legítima fosse estéril ou só gerasse meninas. As concubinas eram mulheres livres ou metecos (estrangeiras), raramente escravas, e recorriam a esta situação em caso de extrema pobreza. Seus filhos eram considerados legítimos.
O autor nos fala que a maioria das famílias da época não desejava muitos filhos. Para não ocorrer gravidez indesejável:
“..., os gregos recorriam à profilaxia nas relações sexuais, ao aborto e também ao infanticídio e ao abandono de crianças às intempéries, caso os outros métodos não surtissem efeito.” (p. 67).Qualquer atitude da mulher em relação a uma gravidez indesejada tinha de ter o consentimento de seu marido ou dono. O infanticídio era proibido e punido por lei em Atenas. Já em Esparta era o próprio Estado quem o praticava, quando ao analisarem os recém nascidos os chefes das tribos reconheciam doença ou deficiência na criança.
Para falar do comportamento sexual dos gregos, o autor utiliza-se das representações em vasos e determinados relevos, tais representações, possuem os seguintes propósitos: religioso, apotropaico (precaver-se contra o mal), estímulo sexual e humorístico.
A maior parte destas representações retrata relações heterossexuais, poucas homossexuais entre homens adultos, raras entre um adulto e um rapaz e apenas uma entre duas mulheres, sem a certeza de esta ter um caráter homossexual.
Já cenas com associação de sexo e violência, sexo oral onde o homem proporciona prazer à mulher, e a posição sessenta e nove são, segundo o autor, raras. Estas últimas são justificadas pela supremacia masculina da sociedade em que a mulher é sempre retratada submissa e por este motivo, conclui o autor, que era considerada indigna para o homem tais posições. As mulheres que aparecem nestas representações são hetairas ou prostitutas, pois as mulheres respeitáveis atenienses nunca são retratadas em condições intimas.
O autor continua dizendo não havia uma lei contra zooerastia, mas contra o estupro sim, para proteger mulheres e crianças livres ou escravas, com penalidade que consistia em multa pesada paga à vítima e ao Estado.
A homossexualidade masculina era uma prática inaceitável e socialmente condenada, comprovada em textos da época. O autor diz ainda que o homossexual passivo era alvo da exprobração social, pois este se igualava a mulher, que era um ser inferior. Caso fosse pego em flagrante, poderia ser levado a público, quando lhe introduziam um rabanete no ânus.
A profissão de prostituta, no início do século VI a.C., foi regulamentada por Sólon, que estabeleceu os primeiros prostíbulos e instituiu o pornekòn télos (tributo que era recolhido para a profissão). O objetivo desta lei era o de auxiliar os efebos (homens jovens) que atingiam a idade adulta e desta forma impedi-los de cometer adultério com mulheres respeitáveis.
As prostitutas eram via de regra: escravas, ex-escravas, métoikoi /metecos, meninas que haviam sido abandonadas pelos pais e filhas de prostitutas ou ex-prostitutas. Entretanto qualquer mulher livre poderia se tornar prostituta embora isto fosse raro e só ocorresse em caso de estrema pobreza. Incitar alguma mulher a tornar-se prostituta era proibido e punido por lei.
Existia, ainda a Hierà Pornéia (prostituição sagrada), o autor relata que este era um costume antigo encontrado em quase todas as comunidades do Oriente Médio e no território grego em Corinto, Pafos e Amatos (Chipre). As sociedades agrárias da época acreditavam que havia uma influência recíproca entre coisas semelhantes, por isso dedicavam algumas mulheres, as hieódouloi (servas sagradas), a servirem por toda a vida nos templos da deusa do amor. Estas tinham que manter relações sexuais com qualquer um que as pagassem e esta renda era convertida ao templo. Segundo tais crenças o ato sexual praticado em honra da deusa garantia a fertilidade a todas as mulheres, a terra e a prosperidade da cidade.
Hetaira, traduz o autor, significa amiga, companheira. As hetairas eram prostitutas de luxo muito bem pagas, que acompanhavam os homens nos banquetes e outros eventos sociais. A sua procedência era a mesma das prostitutas comuns, o que as diferenciavam era: sua excepcional beleza, perspicácia e relativa competência nas discussões, além de serem educadas, asseadas, terem boas maneiras, tocarem um instrumento e dançarem. O autor ressalta ainda que, principalmente no período clássico, eram protegidas pela elite que se utilizavam dos seus serviços, isto pelos seus atributos físicos.
A pederastia na Grécia Antiga não tinha um caráter homossexual. Tal palavra denotava afeição espiritual de um homem adulto por um garoto e era uma instituição pedagógica plena de ideais. O autor esclarece que enquanto a homossexualidade sempre existiu, a pederastia surge por volta do século VI a.C. e dura até o fim do século IV a.C., a possibilidade de ser mais antiga ainda não é provada. Em Homero não há nada sobre o assunto.
O amor dos gregos pela beleza física e intelectual, segundo o autor, fez com que estes se voltassem para a beleza do corpo masculino, pois as mulheres deste período eram incultas e não praticavam exercícios físicos. A família ainda não havia a coesão e função de hoje, por este motivo o rapaz que tinha um instrutor de ginástica e um professor, precisava de alguém para lhe ensinar os segredos da vida social, funções do Estado, bons modos, valores éticos, virtude e os percalços e perigos da vida, e esta lacuna será preenchida pela pederastia. Assim um homem adulto era responsável para transmitir tais conhecimentos a um adolescente.
“Nesse relacionamento, o adulto era denominado erastés (‘amante’) e o adolescente, erómenos (‘amado’). O erómenos devia ter entre doze e dezoito anos. (...), a continuidade do relacionamento depois dos dezoitos anos era considerada inaceitável, para prevenir que casualmente se transformasse numa relação homossexual.” (p. 104)O autor acentua o fato de que, mesmo que, por vezes a pederastia implicasse em atos sexuais, o abuso sexual dos jovens era ilegal e acarretava severas punições. E esta legislação era dura tanto para a pederastia como para o homossexualismo em geral, como exemplifica várias leis do período.
Em Esparta:
“O erastés era denominado eispnélas (do verbo eispnéo: ‘inspirar’), ou seja, que era inspirado pelo amor, enquanto o erómenos era denominado aïtas (bem amado) (...) Havia uma grande exigência de pureza nas relações e a depravação era castigada com rigor: o exílio perpétuo ou a morte constituíam as penas a que estavam sujeitos os que eram condenados.”O rigor das leis espartanas era aplicado tanto a pederastia como ao abuso sexual de crianças e jovens com outro jovem. Sobre este assunto o autor finaliza dizendo:
“..., devemos ressaltar que a nobre instituição da pederastia não deve ser confundida com pedofilia, e que a homossexualidade na Grécia antiga era simplesmente tolerada pelo Estado e, de modo algum, amplamente difundida, nem jamais um ‘padrão’ da sociedade grega antiga!”
Quanto à homossexualidade feminina o autor afirma que não se sabe muito a seu respeito, por dois motivos: pela sociedade ser dominada pelos homens e pelo homossexualismo feminino ser menos difundido.
O que se sabe vem de alguns fragmentos dispersos que por vezes deixam dúvidas sobre a forma do amor entre mulheres ser espiritual ou sexual. O autor diz ainda que a figura mais associada a este assunto é a poetisa Safo, nascida na ilha de Lesbos, daí a denominação lésbica. Safo manteve uma escola para garotas, a Casa das Musas. Chegaram até nós alguns fragmentos de sua poesia que foi interpretada com fundo homossexual, entretanto, segundo o autor é questionável se esse caráter era sexual ou platônico. Ele diz que ao contrário Safo foi casada, teve uma filha e suicidou-se por conta de um amor (hetero) não correspondido.
A obra de Nikolaos Vrissimtzis é bastante interessante e esclarecedora porque quebra algumas idéias pré-concebidas sobre a sexualidade da Grécia Antiga, como a visão ocidental de que o homossexualismo era comum e incentivado. O autor se utiliza, da arte da época e textos jurídicos, pra dizer exatamente o contrário. Além de fazer uso de outros tipos de textos: literários, teatrais, econômicos, políticos, filosóficos etc.
O fato do mesmo ser grego, utilizando a fala de Finley, credita ao autor maior confiança nas suas interpretações. O que se pode concluir é que dadas as limitações das fontes que chegaram até nós sobre a Antiguidade, o autor consegue traçar um perfil das relações do período de forma simples e bastante direta, abrindo assim caminho para o aprofundamento da pesquisa, bem como a consulta a outros autores para estabelecer relações entre visões diferentes e uso de outras fontes também. Já que a obra é basicamente fundamentada na arte, principalmente de vasos, o que é positivo, pois reflete (como toda forma de arte) a expressão de um povo.
BIBLIOGRAFIA
VRISSIMTZIS, Nikolaos. Amor, sexo & casamento na Grécia Antiga – um guia da vida privada dos gregos. São Paulo: Odysseus, 2002.